Transformações

Eu gosto muito de usar poemas e metáforas para ajudar a refletir tanto para mim quanto em meus atendimentos, A psicanálise acredita que os poemas, músicas, filmes e a arte em geral são fabulosos recursos para nossas elaborações e até para aliviar nosso sofrimento.
Gosto muito do escritor Rubem Alves, neste poema dele, ele fala um pouquinho da vida, das nossas dificuldades e de como podemos tirar um aprendizado em tudo o que nos acontece, nos transformar e evoluir como pessoa.


Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo.
Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. 
São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. Só que elas não percebem e acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.
Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos: a dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, o pai, a mãe, perder o emprego ou ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão ou sofrimento, cujas causas ignoramos. 
Há sempre o recurso do remédio: apagar o fogo! Sem fogo o sofrimento diminui. Com isso, a possibilidade da grande transformação também.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro cada vez mais  quente, pensa que sua hora chegou: vai morrer. 
Dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar um destino diferente para si. Não pode imaginar a transformação que esta sendo preparada para ela. 
A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem  aviso prévio, pelo poder do fogo a grande transformação acontece: BUM! E ela aparece como uma outra coisa completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.
Bom, mas ainda temos o piruá, que é o milho de pipoca que se recusa a estourar. São como aquelas  pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. 
Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. 
A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. No  entanto, o destino delas é triste, já que ficarão duras, a vida inteira. 
Não vão se transformar na flor branca, macia e nutritiva. Não vão dar alegria para ninguém.

Extraído do livro "O amor que acende a lua", de Rubem Alves.